sexta-feira, 17 de abril de 2009

Assistindo à vida em um telejornal

Todos os dias tenho uma escolha a fazer: assistir aos telejornais ou me resguardar de toda a maldade exposta neles. Se escolho a primeira opção tenho de estar consciente que a barbárie mostrada é real, extremamente absurda, e que o fato de ser mostrada na televisão ou estampar capas de jornais renomados, não está longe de me atingir, pode, em minutos, acontecer ao lado da minha casa ou dentro da minha família. Se escolho a segunda opção, me isolo da brutalidade, mas então, me isolo do mundo em que vivo, da realidade cruel que invadiu o cotidiano. Fico alheia às notícias, porém, não imune de ser consumida pela violência a qualquer instante. Pois este é o nosso tempo: um tempo de temor.
Este também é o nosso tempo: o da intolerância. A incapacidade de aceitar modos diferentes de agir, de pensar e de se comportar tem provocado inúmeros crimes. Ligo a televisão e vejo pessoas sendo mortas por motivos inacreditáveis, motivos que testam, diariamente, a minha vontade de acreditar no ser humano e no seu lado bom. Vejo um jovem sendo morto em uma briga porque um segundo jovem não soube admitir que perdeu a namorada para um amigo do primeiro. Em questões de segundos, tudo estava resolvido por um tiro. Vejo um outro jovem que me apavora pela sua frieza. Uma discussão com o pai o deixou terrivelmente enfurecido, a sua intolerância foi tamanha que além do pai, matou a mãe e as duas irmãs. Empilhou os corpos no quintal e quando a polícia chegou, acionada por vizinhos, ele mostrou os corpos, confessou o crime e se entregou serenamente aos policiais como se fosse um campeão subindo ao pódio.
Eis que este é o nosso tempo: o tempo da confusão. Policiais misturam-se a bandidos corrompendo a nossa esperança de que existe alguém cujo intuito é nos protejer. Mostram-se, nas grandes cidades, tão ensandecidos que já virou clichê escutarmos no noticiário que um policial matou, ou atirou, em uma pessoa inocente porque a confundiu com um bandido. E depois se postam na televisão como vítimas, despejando simples desculpas como se seus atos fossem reversíveis, como se vidas fossem compradas na esquina e substituídas assim como as munições de suas armas. Se eles que são encarregados de cumprir a lei, confundem inocentes com bandidos, o que será de nós nessa guerra diária se já não sabemos com quem contar?
Vejo que este é o nosso tempo: o do horror. Um tempo em que vemos pais atirando filhos pela janela; mães que descartam filhos em lixos e lagoas, crianças que trocam a infância por uma vida adulta e se prostituem, crianças que perdem a infância por adultos que as molestam, pessoas que por falta de estudo são escravizadas nos confins do nosso país enquanto políticos, gozam de uma vida rica às custas da ignorância e da inércia de uma população. O horror a que estamos expostos nos mostra seres distantes do conceito de humanos e compreendemos que em muitos, a essência do afeto e do amor ao próximo foi substituída pelo veneno do egoísmo.
Mas este também é o nosso tempo: o tempo do milagre. O mesmo telejornal que mostra cenas aterrorizantes de um mundo caótico, consegue me mostrar que Deus não nos abandonou, mas sim muitos de nós é que O abandonaram. Vejo duas meninas, ambas de oito anos de idade sobreviverem a acidentes de trânsitos arrasadores e saírem ilesas. A primeira ficou mais de 36 horas tentando conseguir socorro para sua prima que estava presa às ferragens e lhe dando forças enquanto esta mantinha-se próxima aos cadáveres dos pais. A outra, num acidente de caminhão perdeu toda a sua família e durante mais de três horas também permaneceu presa aos destroços ao lado da irmã e dos pais mortos. Ao dar uma entrevista, a pequena não se lamentou, disse apenas que agora quer ser feliz junto da família que lhe restou: avós e tios. O terror que assisto a todos os dias nos telejornais me apavora e me entristece demasiadamente, mas os milagres, embora menos freqüentes do que as atrocidades, renovam a minha crença em dias melhores, pois um milagre é para mim o que disse João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina: “...é tão belo como um sim numa sala negativa”.

Polliana Dias Ferreira
Escrito em Agosto de 2008

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