segunda-feira, 20 de abril de 2009

Também vou-me embora pra Passárgada

O poeta Manuel Bandeira é autor de um poema muito conhecido, o qual diz: “Vou-me embora pra Passárgada/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei. (...) Em Passárgada tem tudo/ É outra civilização/ Tem processo seguro”. Por isso pra lá sinto vontade de ir, por tudo que tenho visto e escutado, sinto vontade de fazer minha mala, enchê-la com toda a minha indignação diante de tamanha vergonha, com toda a minha fúria perante tanta barbaridade e fincar moradia na idealizada Passárgada do poeta.
Lá certamente é melhor do que aqui, pois a justiça deve imperar. Portanto isso me faz crer que as pessoas se respeitam e se fazem respeitar pelo seu caráter. De nada importa qual posição social a pessoa ocupa, lá vale mais a pureza dos sentimentos, a beleza das ações, muito mais do que um excelente cargo ocupado, muitas vezes desmerecido, muitas vezes conseguido como troca de favores.
Lá em Passárgada as palavras “molestar” e “estuprar” não existem nos dicionários, pois uma palavra existe quando seu conceito se faz necessário e este inexiste nas atitudes dos homens daquele reino. Pois preciso acreditar que em algum lugar do mundo, seja do real, seja do imaginário, os homens são, simplesmente, humanos e não monstros que aterrorizam crianças com atos sexuais prematuros, lhes roubando a infância e instaurando um pesadelo permanente em suas vidas. Pois eu preciso me segurar em qualquer fio de esperança, roído que seja, capaz de me mostrar um quadro diferente destes que meu ser, completamente humano, não suporta mais ver.
Lá em Passárgada deve haver quem vele pela nossa integridade física e segurança, principalmente pelos mais indefesos. Lá não se faz necessária a presença de um Conselho Tutelar, mas se precisasse, ele seria como aqui estabelecido: para zelar pelos direitos das crianças e do adolescente, porém duvido que ele seria assumido por pessoas despreparadas. Lá os conselheiros seriam designados a agir tendo em mente que esta proteção é algo muito além de um trabalho qualquer, é uma missão e requer ser exercida como se fosse um ato praticado para um filho seu. Duvido também que o povo de Passárgada permitiria que profissionais sem perfil assumissem um cargo de tamanha importância sem avaliar, constantemente, se seus atos são coerentes para tal missão. Por isso Passárgada apareceria no noticiário como sendo o lugar onde as crianças têm a certeza de que são crianças ainda e não adultos em miniaturas, obrigadas a se portarem como escravos sexuais de homens covardes. Homens perdidos em sua própria sexualidade, perdidos em uma crueldade incompreensível, perdidos em si e procurando um pouco de auto-estima no poder exercido no mais fraco. Porque em Passárgada, assim como aqui, não há punição para o crime de pedofilia, mas diferentemente daqui, lá não há impunidade porque não há o crime.
Lá em Passárgada, provavelmente, a civilização é regida pelo “Estatuto do Homem”, escrito por um outro poeta, Tiago de Mello, em que estabelece: “Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa”.
Infelizmente não posso ir embora para Passárgada, embora meu idealismo queira sempre comprar uma passagem para lá, mas posso seguir fazendo com que minhas palavras sirvam para abrir a consciência das pessoas. Pois essa crescente epidemia de pedofilia tão cedo será combatida, porém prossigo com esta esperança incorrigível de que se crie uma vacina eficiente de leis para cessar de vez com essa barbaridade, entretanto se assim continuar, a desconfiança e o medo serão tão devastadores quanto este crime. Enquanto a lei não nos protege de forma efetiva, cabe a nós sermos, sempre, os vigilantes de nossos atos e dos atos dos outros quando estes infringirem o limite de respeito ao próximo.

Polliana Dias

Março de 2009

2 comentários:

  1. Linda, delicada, incisiva também...
    São tantos os adjetivos para a escrita da amiga Polli... que gastaria uma reflexão mais profunda para elogiá-la da forma que merece... por isso aqui deixo os meus votos de sucesso e estima pela pessoa que é e pela arte que faz!
    Beijos
    Tânia Castro

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  2. Oiee..

    3 palavras!

    SHOW DE BOLA!

    ABRAÇOS.

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