sexta-feira, 17 de abril de 2009

Desafiando os limites

Desafiando os limites

O que esperar de um menino pobre, cuja mãe tem como ofício lavar roupas e o pai, pintar paredes? Um menino que não freqüentou a escola regular, mulato, neto de escravos alforriados, isto em pleno século XIX. Juntem a todas estas características, agravantes físicos como a epilepsia e a gagueira. Pode-se imaginar um futuro brilhante para esta criança frente ao contexto apresentado, uma vez que lhe faltou, e possivelmente lhe faltará, grandes oportunidades de se destacar como “alguém” no decorrer de sua vida? Talvez a resposta fosse um não, sonoro e firme. Mas se eu dissesse que a pessoa de quem falo foi contrária ao jogo das previsões sociais? Tornou-se um autodidata, em seguida jornalista, atuou em cargos públicos e para completar, transformou-se em um dos maiores escritores de Língua Portuguesa, tendo seus livros publicados em diversas partes do mundo, você acreditaria? Pois esta pessoa fez tudo isso e poderia não tê-lo feito, poderia ter usado todos os elementos prejudiciais e ter ficado inerte esperando soluções milagrosas vindas não sei de onde, ou ainda se enveredado por caminhos nada lícitos como resposta à vida que tão mal foi contigo. Porém, como bom resiliente que era, galgou ávido todos os altos degraus da estrada do conhecimento e da intelectualidade dando uma resposta invertida às estatísticas e registrou seu nome no ponto culminante da Literatura. Lá está gravado com letras graúdas e brilhantes o nome daquele que desafiou seus limites e as amarras de uma sociedade injusta: Joaquim Maria Machado de Assis.
Machado de Assis é, incontestavelmente, um grande gênio da Literatura. O mérito que ele alcançou não foi sentado em uma cadeira olhando para o tempo, imaginando estórias e esperando que seus livros fossem lidos sem ao menos terem sido escritos. Ele fez, trabalhou, agiu e alcançou a glória. Hoje, cem anos após a sua morte, ele continua vivo e ovacionado pela sua perspicácia, ele só é lembrado porque ousou e realizou.
Engana-se quem pensa que seu legado está presente somente nas aulas de literatura, a obra machadiana, com seu estilo ironicamente inconfundível, é mais atual do que se imagina e mais atrativo do que aparenta. Para escrever seu nome na história ele precisou muito mais do que possuir o dom da escrita, necessitou de um conteúdo extremamente sedutor e o encontrou, não em ficções mirabolantes, mas bem perto de si. Encontrou na observação do comportamento humano um assunto vasto para ser explorado em romances, contos e crônicas. Machado é a grande sentinela das mazelas da sociedade, capaz de descobrir aquilo que se esforça por se esconder, como ele mesmo se define: “Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto”.
O exemplo de Machado de Assis, além de exaltar sua maestria, é mostrar que um ambiente desfavorável, a falta de oportunidades e uma sociedade desigual não o impediram de realizar grandes feitos. Porém, quantos intimidam seus sonhos porque não são rentáveis? Quantos se valem de todos os fatores limitadores para justificar sua inércia? A maioria hoje sonha sonhos de ter, não mais os sonhos de ser. Sonham os sonhos do capitalismo e passam pela vida sem realizar nada. Atiram a sua frustração na pobreza, no governo, na violência, no fato de estarem num país de terceiro mundo e tornam-se vítimas de seus próprios pensamentos, deixando-se corromper. Como disse o próprio Machado: “E todas as palavras recolheram-se ao coração, murmurando: ‘Eis aqui um que não fará grande carreira no mundo, por menos que as emoções o dominem... ’”. Para fazer algo de grandioso é preciso dar razão aos sonhos e agir para que eles se concretizem, os limites só tornam o sonho mais tentador.

Polliana Dias Ferreira

Escrito em outubro de 2008


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